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sábado, 22 de setembro de 2012

No psicanalista...

ele sentou no divã. acendeu um cigarro. sorriu pra mim, e com toda sua ironia começou a me dizer.

e eu a escrever:

" - a coisa tá feia né meu amigo? os valores se inverteram, os meninos se perderam, a crise continua. as meninas estão cada vez mais vagabundinhas. porque convenhamos, você nunca deixaria sua filha aos 13 anos andar por aí como uma prostituta de 30 não é?

- não tenho filhos.

- mas mesmo assim, tão tudo vagabundinha. tudo putinha. acho que até as mulheres da zona tem vergonha. as putas mesmo tão tudo morrendo de ódio dessas aí, que acabam com a moral delas. digamos que essas ~zinhas~ aí envergonham a classe. tá faltando pai e mãe. tá faltando surra com vara de marmelo, tá faltando Deus. em tudo. pra tudo e todos. até eu sinto saudade de Deus algumas vezes.

- porque se afastou dele?

- digamos que foi por motivos de convivência. Deus é hilário, as vezes maldoso e muitas vezes seu amor me prejudicava. não tem o porque ficarmos aqui falando dele. ele esta no ambiente, ele tudo vê, fico com vergonha.

- sobre o que quer falar?

- não sei, tenho tantos assuntos...

- fique á vontade.

- ontem conversei com minha mãe e ela está melhorando. - olha pra janela por alguns instantes, jogando a fumaça do cigarro, enche os olhos de lágrimas - ela está melhorando... ontem fiquei analisando meu vizinho, aquele menino bombado que falei nas outras sessões, lembra?

- me lembro sim... o que ele aprontou dessa vez? ligou o som mais alto?

- é realmente com a idade dele eu tinha um bom gosto por músicas. - ri, sorri, acende outro cigarro - acho que ele curte uma piroca sabia?

- eu ri por um momento e perguntei: porque acha isso?

- ai sei lá, esses menininhos de hoje em dia fazem tudo abertamente com os amigos né? eles curtem um esfrega esfrega. na minha época a gente não dava tanto na cara... mas cada um é cada um. eu deveria contar pra você sobre meus problemas né? e to contando os dos outros, como se isso me afetasse. ou afeta, sei lá. cheguei nos 56 tão deprimido. to aposentado, to feliz e infeliz ao mesmo tempo, e não sei o que te contar. só sei falar dos outros. dos meus amigos, vizinhos, familiares.

- sente atração por algum desses garotos?

- nossa doutor. - respira fundo e assustado - agora você pegou o ponto exato.

- ponto exato?

- tenho uma sexualidade reprimida. eu deveria ter assumido isso há mais tempo, lá no comecinho. já pensei até em suicídio. dormir e não acordar.

- porque?

- porque me mata estar escondido do mundo. me mata as pessoas terem conceitos sobre mim e eu não assumi-los porque simplesmente tenho uma reputação a zelar. um emprego maldito a zelar. não aguento mais com isso. - seus olhos começam a encher e ele começa a tremer.

- você esta bem? quer continuar?

ele acende mais um cigarro. chora. me encara. chora novamente. traga. chora mais.
levanta do divã. sorri pra mim. e sai. vai embora.
e depois daquele dia acho que ele estava curado.