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terça-feira, 22 de maio de 2012

Crônica de uma morte (não!) anunciada


conheci  você na escola. você me defendia das boladas estúpidas na educação física.  você era um menino do bem, do bom, um menino feliz. aos 10 mudei de escola. e você também, mas não era a mesma. e eu chorei na despedida porque, por mais que morássemos na mesma cidade, não seria a mesma coisa.

aos 16, o reencontrei no ensino médio. agora, novamente na mesma escola. mas você estava mais bonito, com um sorriso que qualquer garota se apaixonaria. eu não teria chance. na chamada você lembrou de mim. me olhou, sorriu, e eu assistia muito the oc. pensava que, eu era o Ryan, e você a Marissa. o cool, cult, pop da escola era você. não eu. continuei vivendo.

uma tarde nos encontramos no centro da cidade.  você me convidou pra um café numa livraria. fui. então, e você confessou que nunca esqueceu de mim. que se fez de bobo no primeiro dia de aula do reencontro porque achou a mesma coisa que eu. e você também via the oc. na formatura do ensino médio você me beijou. com seus lábios carnudos, suas mãos delicadas, seu cheiro gostoso, me fizeram a começar amá-lo.

aos 19 fomos pra faculdade. e  você me pediu em namoro. e eu aceitei. e nossa vida começava a tomar um rumo, e esse rumo seria o melhor que o cara lá de cima poderia preparar pra mim. nossa primeira vez aconteceu. e eu o senti adentrar meu ser, e eu já estava amando-o. e sentia a reciprocidade. me formei em letras,  você em engenharia. e no dia da sua formatura, você me pediu em casamento. e nos casamos.

aos 29 tive nossa primeira filha, Lia. e  você havia ganhado uma promoção maior e nos mudamos de cidade. fomos pro litoral. e nosso amor cada dia mais estava aceso. você queria fazer uma festa pra comemorar nossos 10 anos juntos. então, me fez uma surpresa. e nossa trilha sonora parecia com a de Marissa e Ryan, novamente. e tudo estava indo bem.

aos 54, você tem uma ameaça de derrame. e eu senti um choque. e eu me aposentei de dar aula, e eu colocava a culpa no stress mas meu cuidado era com você. nossa filha já estava se graduando em Moda, depois de caminhar por tantos outros cursos, ela enfim havia se resolvido. e por sinal, ela era linda. linda lia. era assim que a chamávamos. e tudo aquilo me dava uma sensação de satisfação. e novamente, the oc me trazia a mente, que nada é pra sempre.


um dia num fim de tarde você me chamaria e apertaria a minha mão.
e eu saberia.
sentaria ao seu lado, as lágrimas molhando as suas mãos manchadas
e você diria
“eu sempre te amei”.



e
“nós fomos tão felizes aqui”
e eu fecharia os olhos sentindo a vida se esvaindo de você
e você morreria segurando a minha mão que nem a gente combinou há tanto tempo
e você diria
nada
porque estaria de olhos fechados e eu saberia que você não estava mais lá, e esconderia o rosto na sua mão com a maior dor da minha vida, apertando mas não muito, porque não teria forças.



uns dias depois minha doença pioraria
minha filha querendo me internar e eu dizendo
nunca
quero morrer aqui, na nossa casinha.
então uma semana depois eu iria dormindo
e te encontraria em algum lugar bem bonito.

e pra sempre seria você e eu, eu e você. da infância, até o fim da velha infância.



(Trecho em itálico retirado do texto "Uma casinha no bexiga" de autoria de Clara Averbuck)