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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Cartas de Feliciano

















Os anos passaram tão depressa. A vida foi como um risco que teve seu fim aos 66 anos. O meu corpo respirava através de aparelhos, e meu coração batia com a ajuda do amor. Aquela rua ficou tão sem graça sem a gente. Sem nossa família reunida. Sem nossas risadas. Sem nossos encontros escondidos atrás das cercas brancas. Sem nossas promessas. Sem nossa alegria de viver. Os anos passaram tão depressa e eu tenho algumas coisas pra te contar.

  • ·         O caixão de Feliciano estava na sala de sua casa. Os amigos, companheiros de bar, de vida estavam todos ali. Poucos, mas os melhores e mais sinceros. Então, Feliciano deixou algumas cartas sobre a mesa, Lucas foi até lá, abriu a sua e começou a ler.

Para meu filho, Lucas.
Lucas, espero que ao ler essa carta não derrame nenhuma lágrima. Sei que vai ser difícil não chorar mas você sabe muito bem como guardar sentimentos. Toda vida eu tentei me aproximar de você, mas como foi dificultoso não? Você brincava sempre até tarde e quando eu chegava mais tarde ainda você já estava dormindo. Nos sábados você passava com seu padrinho Heloi e nas férias quando íamos pra praia você brincava todo dia e eu quase nem olhava você. Cuidava mais da sua irmã, Monica. Ai Lucas, como eu me arrependo de ter deixado você tantas vezes sozinho. Na empresa era tudo muito difícil, eu trabalhava muito. Acho que materialmente nunca te deixei faltar nada mas interiormente o vazio ficou. Foi assim entre eu e meu pai também. Eu me arrependo tanto filho. Estou aqui nesse hospital sozinho, agonizando. Queria estar com minha família. Queria estar entre vocês e o que a vida me deu um presente? Um baita de um câncer. Lembro que na sua formatura você estava tão lindo. E eu tão orgulhoso do meu filho mais velho, do meu filho homem estar se formando em Engenharia. Você já tinha 22 anos e já estava quase casando com a Cléo e saiu tão rápido de casa. Tão rápido. Me arrependo de não ter ido no seu jogo de futebol aos 14 anos, lembra? Papai estava tão ocupado pensando no futuro que o futuro acabou chegando e tudo se perdeu. Se esvaiu pelos meus dedos. Ontem tive essa ideia de deixar alguns sentimentos em cartas. E então, resolvi começar por você. Meu menino. Meu filho.

Sua mãe teve uma gravidez um pouco turbulenta, no dia que você nasceu enfrentamos um transito árduo na Marechal Pinheiros que parecia que sua mãe teria você ali mesmo. As dores de parto foram acompanhadas com tanto amor, tanto carinho. Lucas, espero que perdoe seu pai por tudo isso. Ao mesmo tempo que me fiz presente, me fiz tão distante. Estava tão longe do meu filho que aos 14 anos de idade dizia que quando completasse 18 faria uma faculdade de Administração pra tomar meu lugar e me deixar mais em casa. Pra curtir sua adolescência, sua infância, sua vida.  Eu poderia escrever milhares e milhares de linhas mas minhas forças estão esgotadas. Esse câncer esta me matando aos poucos. Te amo meu filho, perdoa-me mais uma vez. - Lucas em lagrimas olhava o pai no caixão. – Não me conformo com isso. Ele não merecia morrer. Meu pai não podia morrer agora que íamos escalar as montanhas de Minas Gerais juntos. Agora que íamos beber todas depois do trabalho. Agora que íamos nos conhecer um pouco melhor. Pai, o senhor não podia fazer isso comigo. – Exclamava o filho que sentia a falta daquele pai tão distante mas que ao mesmo tempo estava sempre ali. Por mais que calado, sempre ali. 

Mônica sua irmã, se aproxima. Consola. Tenta manter a calma.